Pedalada Pelada, Cicloativismo e Vergonha na cara

Como em todos os sábados dos últimos dois anos me preparo para sair para mais uma pedalada. O “Longão” como gosto de chamar, tem como objetivo conhecer lugares novos, paisagens exóticas, gente interessante e o mais importante, pedalar sem compromisso. Parafraseando o trecho inicial do Vídeo The Colective Roam “No MTB, você pode cobrir uma grande distância, num pequeno período de tempo, ou uma pequena distância num grande período de tempo... Dizem que a jornada não pode ser mais importante do que o destino, porém no MTB não existe destino, somente uma Bike, um Biker e um lugar para pedalar... ”


Com essa filosofia na cabeça, e muito estresse do dia-a-dia para eliminar no suor da pedalada, escolho (ou não) os meus roteiros e saio, sem hora para voltar. Só que nesse fim de semana, resolvi fazer algo diferente, algo que ainda não tinha feito. Resolvi conhecer melhor a minha cidade, São Paulo, sob o olhar de um ciclista. Venho descobrindo os encantos de ser um “ciclista urbano” durante a minha pedalada diária até o trabalho, desvendando aos poucos o que a cidade tem escondido, guardado. Ou mesmo aquilo que esteve sempre lá, estático, porém nunca tive tempo para observar com cuidado.

Às 7 da manhã, já estava eu de pé, com uniforme com a bike preparada. Saí do meu apartamento sem rumo, somente com o objetivo de pedalar pelo menos uns 80kms. Decidi começar meu role pelo Zona Leste (Parque do Carmo), depois voltei ao Ipiranga (Museu do Ipiranga – Onde fui buscar um sapato no conserto), subi até a Aclimação (Parque da Aclimação, para levar minhas camisas para lavanderia), saí na Vila Mariana, desci até o Ibirapuera, fui visitar uma Bike Shop em Santo Amaro (Anderson Bikes, onde comprei uma bermuda), voltei, fui até a Pedalpower (Vila Olímpia buscar umas peças e adesivos), voltei ao Ibirapuera, tomei uma água de coco e subi rumo a Paulista. Tudo de bike, foram mais de 50kms sem gastar com combustível, sem pegar transito e cuidado da minha saúde.

Ao chegar na Paulista, percebo uma quantidade grande de bikes e ciclistas, já bem no início (ou final) perto do Shopping Paulista. Venho pedalando sossegadamente, sinto um frio na espinha em ver o “Monumento” em homenagem à ciclista (Márcia) que morreu atropelada na avenida e vejo a marca exata de onde ocorreu o acidente. Continuo pedalando e ao chegar perto da Consolação (minha rota para chegar até o Centro) vejo uma grande aglomeração de Bikes, gente e polícia....Ao cruzar com um batalhão inteiro de PMs, aceno com a cabeça como sempre faço, mas não recebi o aceno de volta, apenas recebi uma cara fechada e de poucos amigos....

Senti, naquele momento que havia algo errado. Policia normalmente trata bem os bikers. E aquela aglomeração lá na frente me deixava curioso. Muitas bikes, um carro da Globo e muita gente. Me pergunto: “Será mais um atropelamento?” Mas ao chegar perto, sinto um frio na espinha, ao me lembrar da data.... Dia da Pedalada Pelada..... Putz....

Bom, dou uma paradinha para ver com os meus próprios olhos com a minha própria bike o tão falado evento... Ao chegar perto logo vejo um bando de marmanjos de cueca (EM PLENA AV. PAULISTA), com latas de cerveja na mão....Vez por outra vejo uma nuvem de fumaça largada ao céu, que creio eu que era de cigarro.... Como todo biker, dou aquela espiada nas bikes da galera e a julgar pela quantidade de pó e ferrugem, constado que provavelmente a última saída da maioria das bikes que estava lá há muito tempo não são usadas. E por julgar pela ausência quase que geral de capacetes, quase não dá para distinguir aquele tumulto de um outro qualquer. Quase não dava para perceber que se tratava de um “Ciclo-Protesto....”

De vez em quando alguém gritava algumas palavras de ordem, tipo “deixe seu carro em casa !!!” ou “ Eu tbm quero respirar !!!” e os ânimos voltavam a se acalmar. Ao julgar pela cara dos PMs, sentia o clima esquentando, mas queria ver onde é que aquilo ai parar....Me senti num movimento estudantil de esquerda dos anos 60/70....

A coisa se agitava mesmo quando passava alguma equipe de TV ou qualquer coisa que tirasse foto ou filmasse. Nossa, aí a coisa parecia mesmo quase que uma revolta, protesto de metalúrgico na porta da fábrica nos anos 80.... O negocia esquentava, mas tirar a roupa mesmo, ninguém. (Graças a Deus).

Mas o que realmente me intrigava é que ninguém aparentemente era biker de verdade. Parecia uma assembléia de algum partida anarquista/esquerdista/sei lá o que....Muita gente conversando, uns levantavam a bike ao alto, uns pintavam os corpos uns dos outros com alguns dizeres que não dava nem para entender o que dizia. A massa chamava a atenção pela quantidade de pessoas, não pela atitude. As bikes eram um detalhe esquecido.

Me lembrando do resultado catastrófico da “Pedalada Pelada” do ano passado, resolvi retomar o meu passeio, rumo ao centro de São Paulo. Mas de certa forma, que senti um pouco envergonhado de ser ciclista naquele momento. Me senti realmente ofendido pelo simples fato de que eu poderia ter sido confundido com qualquer um daqueles baderneiros que agitavam aquela “manifestação”. Me senti envergonhado de partilhar, pelo menos em tese, o mesmo mundo ciclístico daquelas pessoas. Cicloativismo não é aquilo, difinitivamente.

Cicloativismo primeiro é estar dentro da lei. Não adianta querer mostrar a bunda na avenida mais famosa o Brasil ou querer invadir a força espaços proibidos para bikes, como Estradas e Rodovias. Cicloativismo não é enfrentar desnecessariamente a polícia, ou chocar as pessoas com uma nudez desbotada e ridícula. Isso mesmo, desnecessária e ridícula e agressiva.

Para mim, cicloativismo são os exemplos que vemos até mesmo aqui dentro do fórum. Pessoas de todas as idades, crenças e cores pedalando e ajudando o desenvolvimento do esporte. Colaborando para termos cada vez mais ciclistas conscientes de não só seus direitos, mas tbm de seus deveres. Hoje vejo cada vez menos bikers sem capacete nas ruas, cada vez menos gente andando na contramão ou na calçada. Vejo cada vez mais gente optando pela bike como principal meio de transporte. Vejo empresas incentivando o uso da bike, e o governo, ainda que precariamente, liberando bikes dentro de transportes públicos. Sim, é pouco ainda, mas já é alguma coisa. Todas essas mudanças vieram de atitudes concretas de ciclistas responsáveis. Não de um bando de imbecis de cueca na Paulista....

Continuei o meu pedal, chegando em casa com mais de 85kms rodados, sem sair da minha querida cidade. Felizmente só vi pela TV a ridícula cena de “meia dúzia de gatos-pingados” mostrando a bunda para as câmaras da TV no Obelisco do Ibirapuera. Agora é trabalho dobrado para explicar para as pessoas que eu conheço que nem todo ciclista é retardado a ponto de tirar a roupa na rua. E mais ainda, tentar recuperar o respeito que as poucas pessoas ainda tem por nós, ciclistas de verdade.

Mas dos males o menor. Pelo menos não tive o DESPRAZER de ver a Renata Falzoni pelada na rua, ao vivo, como no ano passado .....

Abs.

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